Apenas 25% das empresas oriundas de relações familiares passam da terceira geração por não terem um protocolo familiar que diferencie patrimônio, relações familiares e negócios
Um cenário muito comum: um patriarca ou matriarca da família são fundadores da empresa na qual os filhos trabalham. A visualização é romântica quando se pensa na unidade familiar, pais e filhos convivendo juntos com a possibilidade de se ajudarem mutuamente. Mas na prática nem sempre o resultado e o convívio são atraentes. Aliás, bem longe disso.
O tão aguardado almoço de domingo em família pode virar uma refeição bastante indigesta quando começam os questionamentos sobre a forma como é conduzida a empresa ou a preferência de um irmão em relação aos outros.
No Brasil, a cena acima não é infrequente. Conforme pesquisa encaminhada pelo Sebrae, pelos menos 85% das empresas do país são oriundas de relações familiares, mas destas, apenas 25% passam da terceira geração, afirma Manoel Knopfholz, especialista em governança e sucessão de famílias empresárias. “Isso ocorre porque é muito comum confundir patrimônio, relações familiares e negócios”.
O advogado e professor universitário trabalha identificando justamente onde estão as lacunas ou excessos que impedem algumas empresas familiares de serem melhor administradas e alcançarem todo o seu potencial, seja esta de pequeno, médio ou grande porte. Um dos obstáculos mais comuns está representado pela disputa interna de poder entre os herdeiros. Quando isso ocorre é preciso fazer uma análise de toda a empresa identificando primeiramente os três principais núcleos: Facilitador, ambicioso e sabotador.
“No núcleo facilitador encontramos aquele com uma visão mais fraternal, de união e perenidade, que não necessariamente trabalha na empresa, mas quer facilitar as negociações e também deixar tudo acertado para evitar problemas pós-sucessão. Já o herdeiro ambicioso é o quer que a empresa cresça, que tem energia para fazer, quer trabalhar, trazer inovações, no entanto, não tem necessariamente as rédeas para que isso ocorra da forma esperada ou planejada. E o núcleo sabotador é o que possui o herdeiro voraz, que pode até ser tecnicamente capaz, mas tem perfil predador. Ao invés da ordem ele busca o caos fazendo a família refém de suas confusões. Algumas vezes, esses últimos são até mesmo patologicamente doentes”, explica Knopfholz.
Ainda conforme o especialista, um desafio é convencer o fundador ou fundadora da empresa a desistirem de seus ‘pactos com a imortalidade’. “Nunca é fácil para um patriarca ou matriarca passar o bastão. Essa passagem não depende somente de aspectos técnicos, mas também psicológicos e emocionais, pois a sucessão, na ótica do sucedido, pode representar o fim de um ciclo de sua vida e a percepção e sensação da sua finitude física e emocional”.
Essa identificação é necessária para diagnosticar não só cada um dos núcleos, mas o mapa do real status da empresa. Para o especialista, outro desafio é conscientizar os herdeiros e sucedidos de que a empresa não pertence exclusivamente a eles, mas também aos trabalhadores e especialmente às futuras gerações.
“Nem toda família empresária tem problemas, especialmente quando possui um alinhamento profissional desde seu início. No entanto, sem essa visão do sistema, é muito comum que várias dessas empresas sofram antes ou após a sucessão. A maneira mais eficiente de prevenir litígios é definir as lógicas de gerenciamento da empresa, do patrimônio e da família de formas distintas e de acordo com cada uma delas construindo um conjunto de normas de convivência aceitas por todos os familiares e definindo antecipadamente quem conduzirá a empresa pós-sucessão. Assim, quando a família empresária elabora um protocolo familiar, institui um conselho de família e torna todos os familiares pertencentes e incluídos de forma transparente no processo de transformação, certamente proclamará a mesma relevância para a empresa, para o patrimônio e para a família”, defende Knopfholz.
Segundo a MK Governança de Famílias Empresárias, de todos os casos que são conhecidos, apenas 6% se atentam à necessidade de intervenção profissional. Um dos desafios, nesse caso, é sensibilizar os membros da empresa de que há uma necessidade urgente de organizar o processo sucessório do negócio para evitar as tão comuns brigas entre herdeiros. E quem precisa ser conscientizado dessa necessidade são os sucedidos (quem lidera a empresa) e/ou os próprios herdeiros.
Pensando nessa proposta de sensibilizar líderes e sucessores de forma mais ampla é que após 45 anos trabalhando para grandes empresas como concessionários da John Deere, Grupo Kaizen – concessionário Honda em Porto Alegre –, empresas franqueadas do Grupo Boticário, Sanetran, entre outras, Manoel Knopfholz publicou sua primeira obra voltada para este público. O livro “Empresa Familiar: problema anunciado. Família empresária: solução antecipada” traz esclarecimentos sobre o que é de fato e como se faz a transição das empresas familiares para as modernas famílias empresárias separando negócios de família dos negócios da família.
No livro, Knopfholz discorre sobre como se cria e se estrutura um Conselho de Família e como pode ser construído um Protocolo Familiar com regras de sucessão, aposentadoria do fundador, pertencimento das novas gerações, gestão patrimonial, entre outros temas que ensinam a discernir temas familiares, empresariais e patrimoniais. Uma obra fundamental para que a família não testemunhe o desaparecimento da empresa, das suas relações familiares e de seu patrimônio.